Lar de um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos de Oscar Niemeyer, a Lagoa da Pampulha perdeu um terço de sua superfície e mais de 45% de seu volume desde a reinauguração da barragem em 1958. Os dados constam da tese de diploma do biólogo Rafael Resck, apresentados no BPI.
A pesquisa, intitulada Avaliação morfológica e estudo da variação horizontal e parâmetros limnológicos do reservatório da Pampulha, traz um diagnóstico da Lagoa, que contém variáveis físicas como área, volume e profundidade da represa, e fatores que indicam a qualidade da água – oxigênio dissolvido, acidez, temperatura e fósforo total.
Por meio da medição de mais de 22 mil pontos da Lagoa da Pampulha, feita em 2007, foi possível confeccionar a carta batimétrica da represa -– mapa que mostra como a Lagoa seria se toda a água fosse retirada. As medidas foram feitas com um ecobatímetro acoplado a um GPS de alta precisão, que fornecem a profundidade de pontos da lagoa e sua coordenada geográfica. A profundidade média registrada foi de 5,1 metros e a máxima, de 16,17 metros. A qualidade da água foi analisada pela coleta feita em 20 pontos do reservatório.
Os resultados encontrados na dissertação são preocupantes, se comparados aos de 1958, quando a Lagoa foi reinaugurada após o rompimento da barragem, ocorrido quatro anos antes. De 18 milhões de metros cúbicos de volume, a Lagoa passou a 10 milhões. A área do espelho d’água caiu de 300 hectares para pouco mais de 195. De acordo com Resck, o assoreamento das enseadas dos córregos Braúnas e Água Funda e a consolidação do Parque Ecológico da Pampulha alteraram de modo definitivo a morfologia da Lagoa.
Dois lados
A pesquisa de Resck também verificou que há duas regiões distintas na represa: uma rasa, de profundidade máxima de dois a três metros, entre a foz dos córregos Ressaca e Sarandi e próxima à Ilha dos Amores; e uma profunda, de seis a sete metros de profundidade, na região da barragem.
A professora Alessandra Giani, do departamento de Botânica do ICB, pesquisadora do fitoplâncton do reservatório, aponta que a Lagoa abriga uma carga muito grande em um perímetro muito pequeno. “Como não tem grande capacidade de se autolimpar, o ambiente da Lagoa, cheio de nutrientes, principalmente fósforo, favorece a proliferação de algas”, explica. Ela afirma que a quantidade algas tinha diminuído com a construção do novo vertedouro, inaugurado em 2002.
Mas elas estão voltando, segundo coletas feitas em maio deste ano. Resultados parciais indicam um aumento de cianobactérias, que eliminam toxinas causadoras de gastrenterites e alergias de pele. Os prejuízos para o homem são maiores se se houver consumo de peixes da lagoa, que podem concentrar essas toxinas. As análises indicam também a presença de uma toxina possivelmente letal ao sistema neurológico. O diagnóstico deve ser concluído em julho.
A dissertação de Resck confirmou o grande impacto dos córregos Ressaca e Sarandi sobre a qualidade da água do reservatório. Cerca de 70% dela vêm desses córregos e, mesmo com a Estação de Tratamento de Águas Fluviais, não alcança os padrões de qualidade preconizados pela resolução 357/05 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
Peixes e aves
A dissertação de Rafael Resck é fruto de trabalho sistemático de monitoramento da Lagoa da Pampulha feito no Laboratório de Gestão de Reservatórios do ICB, coordenado pelo professor Ricardo Motta Pinto Coelho, que também orientou a pesquisa. O grupo estuda a Pampulha há mais de 15 anos e indica que, apesar das ações da Prefeitura terem provocado a redução da quantidade de resíduos que chega ao reservatório, o aumento do volume de água e a revitalização das margens, não houve melhoria significativa na qualidade da água. O laboratório realiza medições de 30 parâmetros da Pampulha, que vão atualizar os números encontrados por Rafael. A sistematização será concluída no fim de junho.
Além disso, o laboratório analisa o estoque de peixes da lagoa. “É comum pensar que o aumento da quantidade de peixes significa a recuperação do ambiente, mas, dependendo das espécies que proliferam, isso pode significar desequilíbrio”, explica Ricardo Motta. Espécies como a tilápia, que não é nativa, mas foi encontrada no reservatório, mostram a degradação do meio. A tilápia provoca a turvação da água e o aumento da quantidade de nutrientes na represa, tornando o meio propício às algas. Ricardo Motta acredita que o manejo dos peixes é capaz de melhorar a qualidade da água. Segundo o professor, a criação de espécies como a traíra e o dourado, nativas da bacia do São Francisco, da qual a lagoa faz parte, contribuiria para devolver o equilíbrio ao ambiente.
Outro trabalho que analisa a fauna da Pampulha é o do professor Marcos Rodrigues, do departamento de Zoologia do ICB, estudioso das aves do Parque Ecológico. A primeira fase do estudo identificou mais de 100 espécies de aves na região, quantidade considerada normal para o ambiente urbano. Na segunda fase, ele escolheu algumas espécies para observar sua ocorrência, o que significa saber quando as aves aparecem, quanto tempo ficam, quando e quais espécies migram. Esse levantamento é inédito e permite o conhecimento do comportamento-padrão das aves. Fatores atípicos poderão ser identificados por meio da alteração nesses padrões. Segundo Rodrigues, foram vistos exemplares de tuiuiús na lagoa, ave típica do Pantanal ameaçada de extinção em Minas. O estudo vai verificar se a Pampulha é uma rota dessa população migratória. Também pode ser identificada a influência da degradação da lagoa nos hábitos de aves aquáticas como os biguás e as garças.
Via: UFMG